Caminho para o Senado
Retornei para Porto Alegre e permaneci na Assembléia até o início da campanha eleitoral, que começou definitivamente em agosto de 2002. Era mais uma campanha que estava a caminho, algo me dizia que depois de tantas derrotas em eleições a campanha do deputado Sérgio Zambiasi em busca de uma vaga no Senado Federal me daria a primeira vitória. Cláudio Manfroi, um dos maiores estrategistas políticos que conheci, tinha preparado todos os que o cercavam para realizar uma campanha extremamente profissional.
Começamos na sexta-feira, dia 16 de agosto. Manfroi convocou para a reunião cerca de dez pessoas e começou escutar uma a uma para obter a forma mais adequada de ter a vitória, que era o objetivo de todos. Minha permanência com o amigo Cássio Trogildo no Fórum Democrático rendeu conhecimento de praticamente todas as regiões do Estado devido às audiências descentralizadas promovidas pela instituição. De posse dessa bagagem, eu e meu amigo Cássio apresentamos, ainda na reunião, o projeto de divisão regional para as coordenações da campanha.
Ficou decidido naquela noite que a idéia mais próxima do objetivo ideal era a nossa. Lembro que saímos daquela reunião completamente eufóricos, nós, que ainda éramos jovens, estávamos prestes a entrar para a história como idealizadores do projeto daquela campanha. Na reunião do dia anterior, apresentamos cheios de orgulho e extremamente gratos à oportunidade que Manfroi havia nos confiado, a elaboração do projeto, que consistia no mapeamento do Rio Grande do Sul, dividido em onze regiões, cada uma delas com seu respectivo coordenador. Após alguns aprimoramentos, o projeto foi aceito e deu-se início à campanha mais organizada e profissional que vi em minha vida. Devido à carência de lideranças na região número onze, que comportava os vinte e três municípios do Rio Grande do Sul, acabei sendo coordenador e responsável pela mesma, que contribuía com um milhão e duzentos mil eleitores dos sete milhões e trezentos mil votos do Rio Grande do Sul.
Parti para a região logo após a segunda semana de início da campanha e comecei a organizar equipes em todos os vinte e três municípios. Montei meu QG estratégico na cidade de Pelotas, que ficava a sessenta quilômetros de Rio Grande. As duas cidades somavam mais de quatrocentos mil eleitores, e por essa razão intensifiquei os trabalhos nos dois principais colégios eleitorais. Eu tinha convicção de que desempenhando um bom trabalho nas duas cidades a ressonância do resultado atingiria as cidades menores da região.
Em Pelotas, formei uma equipe e dei o comando a três companheiros: Augustinho Martins, Luciano Corral e César Venski. Em Rio Grande deixei a equipe no comando do José Luiz Arriens, e assim, sucessivamente, fui distribuindo comandos nas demais cidades. Fiquei com a função de instruir e criar estratégias, que eram passadas diariamente às lideranças de cada cidade. Criei roteiro para o candidato Sérgio Zambiasi de toda a campanha, com “showmícios” e visitas às associações e empresários da região. Logo no início busquei meu primo Gilmar para ser meu companheiro durante toda a campanha, e assim passamos três meses dormindo o mínimo possível, já que nossas reuniões, devido à falta de tempo, na maioria das vezes varavam a madrugada no pub do Hotel Manta, em Pelotas.
Andamos mais de vinte mil quilômetros em três meses. Além da estratégia e do marketing, também era responsável pela estrutura e material de todas as equipes. Liderei mais de duzentas pessoas e, por respeitar todas, independentemente das funções, acabei sendo retribuído com respeito e admiração. Na semana final da campanha, cheguei a liderar mais de mil pessoas sem ter problema algum. Alguns encontros organizados tiveram público acima de oito mil pessoas. Lembro-me dos maiores, como Pelotas, São Lourenço e Camaquã. Toda a organização e respaldo, que incluía confiança por parte do Cláudio Manfroi, líder maior do PTB, levaram a uma vitória expressiva. Com quase três milhões de votos, o deputado e conhecido radialista da Rádio Farroupilha Sérgio Zambiasi era o mais novo Senador da República a ocupar uma das duas vagas do Rio Grande do Sul. O segundo candidato a se eleger foi Paulo Paim, do Partido dos Trabalhadores, com 2.102.904 votos. Dessa forma, os novos senadores do Rio Grande do Sul haviam conquistado a façanha de deixar de fora os dois candidatos à reeleição, que eram Fogaça, que havia feito 1.812.767 votos, e Emília Fernandes, com 2.0180483.
O dia da apuração reservava outra surpresa: o candidato ao governo do Estado, Germano Rigotto, que havia arrancado sua campanha com apenas 2% das intenções de voto, chegou ao segundo turno com 41,17% dos votos, somando de 2.426.880 e indo para a disputa com o candidato do PT, Tarso Genro, que ficou em segundo lugar, com 37,25%, obtendo 2196.134 votos. Antônio Britto, que já havia sido governador, teve uma campanha desastrosa. Ele, que havia começado com percentual satisfatório, acabou caindo a cada dia na pesquisa e acabou apenas com 12,31%, o equivalente a 725.741 votos. Muitos atribuíram sua derrota à sua saída do PMDB para ingressar no pequeno PPS, partido que tinha como candidato ao governo federal Ciro Gomes, que acabou também sendo derrotado e não indo para o segundo turno. Mesmo assim, Britto teve uma soma significativa de votos, que acabaram ajudando Rigotto, pois, logo encerradas as apurações do primeiro turno, ele declarou apoio ao candidato peemedebista.
Em âmbito federal, Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez iria disputar o segundo turno, porém dessa vez com a vitória praticamente assegurada, pois as pesquisas apontavam vantagem esmagadora do líder petista contra o candidato José Serra, do PSDB, partido do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Ciro Gomes e Garotinho davam indícios de apoio ao candidato do PT, fortalecendo ainda mais a vantagem que já existia.
Ao contrário da disputa federal, no Rio Grande do Sul, o governo petista caminhava para a derrota. Nós, do PTB Gaúcho, contrariando a decisão do diretório nacional, fortalecemos a campanha do candidato peemedebista Germano Rigotto e esperávamos o início do segundo turno para reafirmar nossa posição. Por enquanto, tudo era festa. Enfim eu havia ganhado uma eleição e recuperado por meio dela o respeito de todos; estava fortalecido.
Embora tivesse montado equipe também em Jaguarão, estive apenas duas vezes na cidade durante a campanha. O receio da rejeição era um fantasma constante, que aos poucos foi sumindo devido ao sucesso da campanha que coordenava. Depois de cumprimentar e agradecer um a um o pessoal das equipes dos vinte e três municípios, viajei para Porto Alegre, onde pude escutar, por volta das vinte e duas horas, do enorme caminhão de som que se encontrava na frente da sede estadual do PTB, o resultado final das apurações de Pelotas. Nossa equipe havia conquistado noventa mil votos e mais de setecentos mil na região. Extrapolamos a margem dos cinqüenta por cento. Além do reconhecimento que havia recebido na região, agora estava sendo reconhecido pelo alto comando do partido. A façanha de Pelotas era grande, pois a administração municipal era do Partido dos Trabalhadores e, mesmo assim, havíamos vencido os dois candidatos petistas, Emília Fernandes e Paulo Paim; ambos não chegaram aos oitenta mil votos.
Depois das comemorações, para minha surpresa maior, no dia seguinte fui convidado para coordenar as equipes de rua da Grande Porto Alegre. Manfroi e Ivandre Medeiros, dirigentes maiores do partido, colocaram sob minha responsabilidade a coordenação para obter a vitória de Germano Rigotto. Assim, nos vinte dias decorrentes, cobri a Grande Porto Alegre de propaganda e trabalho estratégico. Foi uma eleição acirrada, mas na apuração final do segundo turno a recompensa foi automática, era mais uma vitória em minha vida: O desacreditado Germano Rigotto do início do primeiro turno era o novo governador do Rio Grande do Sul, com 52,67% o equivalente a 3.148.788 votos, derrotando o candidato petista Tarso Genro, que acabou ficando com 47,33%, totalizando 2.829.527 votos. O Partido dos Trabalhadores , ao contrário do resultado nacional, havia perdido o governo do Estado.
No cenário nacional, o resultado levou o Partido dos Trabalhadores à Presidência da República. Ao fim de quatro meses de correrias, conchavos e alianças quebradas, enfim, o Estado brasileiro conheceu oficialmente seu novo presidente. Todos os atores da política oficial estavam preparados para a vitória da coligação liderada pelo PT tendo Lula na cabeça da chapa. Foram 12 anos e quatro candidaturas para, enfim, na sua última tentativa, o ex-metalúrgico ser eleito. A cada quatro anos, o discurso baixava de peso, o programa ficava mais brando e as tentativas de alianças iam mais para a direita. O 2º turno de domingo, 27 de outubro de 2002, foi o coroamento de uma guinada à direita definitiva do PT, um partido que surgiu dos movimentos sociais e do sindicalismo autêntico do final dos anos ‘70, tinha ampla base popular e uma proposta original de socialismo e democracia.
Para consolidar a transformação final desse partido no espelho da classe média com programa social-democrata, foi costurada uma aliança eleitoral e de classe que vai desde a esquerda ainda autêntica dos movimentos sociais (que fez campanha meio a contragosto) até a presença simbólica como vice de um empresário do setor têxtil, com investimentos no exterior, o senador pelo PL de Minas Gerais, vice-presidente eleito, José Alencar. No 2º turno, como também era esperado, até um dos partidos trotsquistas, o PSTU, resolveu dar "apoio crítico". De Roseana Sarney a Zé Maria, por três semanas todos se somaram à "onda Lula". Argumentando que do outro lado a direita estava nervosa e aplicando terror no marketing eleitoral (o que é verdade), Lula, seus aliados e até os apoiadores críticos se juntaram numa campanha emocional, que a olhos vistos e descarados corria da raia quando tinha de dizer com firmeza que tipo de compromisso com o povo pobre do país seria estabelecido. Choraram muito e não afirmaram nada. Resultado: Lula finalmente era presidente.
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