Vigésimo Segundo Capítulo

A Recompensa

As eleições haviam terminado, e eu, de bem com a vida e cercado por vitórias, retornei a Pelotas para finalizar os últimos acertos. Era hora de traçar os objetivos para as ocupações de cargos na região, que caberia ao PTB devido ao apoio que havíamos dado ao governador eleito. As reuniões agora tinham um sabor especial, nomear companheiros nos dá a sensação de poder, mas também de ajudar aqueles que nos são leais, e assim permaneci duas semanas cumprindo compromissos com os que tinham me ajudado durante os meses de campanha. Após ouvir todos, tive a certeza de que muitos eram merecedores, mas também sabia que apenas os melhores e mais leais seriam contemplados. Com o aval do Manfroi, desenhei a região e listei os nomes que assumiriam os cargos do governo estadual. A missão estava cumprida, dessa forma, me permiti merecidas férias na minha pequena cidade, Jaguarão. Foi quando notei que havia dado a volta por cima. Até mesmo aqueles que haviam me virado as costas sorriam e faziam questão de me cumprimentar.
 

É inacreditável como o ser humano se transforma, mas eu havia escolhido a política, e ela muitas vezes nos obriga a esquecer desavenças e agir como se nada houvesse acontecido. Certamente, minha volta por cima serviu de ensinamento a muitas pessoas, ou seja, nunca julgue alguém pelo momento que está passando, do contrário o constrangimento e a humilhação serão frutos do que semeou. Se minha vida já estava no auge, melhor ficou quando recebi o convite na casa de meus pais para voltar a Porto Alegre e me aprontar para assumir como assessor parlamentar na capital federal Brasília. Parecia um sonho, mas era o reconhecimento a quem consegue a façanha de lutar mesmo quando tudo parece estar desmoronando.
 

Depois de desfrutar o momento de glória por ter sido escolhido para acompanhar o senador eleito em sua nova vida parlamentar, me despedi de meus pais e dos amigos mais íntimos e embarquei para Porto Alegre. Permaneci o mês de dezembro preparando-me para mudar para Brasília. A campanha mobilizou centenas de pessoas, porém apenas dois haviam sido escolhidos como assessores parlamentares na capital federal. Eu era um deles. Eu, que jamais havia andado de avião, já tinha em mãos minha passagem. Voei pela GOL no dia 3 de janeiro de 2003, desembarcando no aeroporto internacional Juscelino Kubistchek ao cair da noite, acompanhado do Senador suplente Cláudio Manfroi, que havia decidido começar uma nova vida em Brasília.


Embarquei no carro do Senado de placas pretas 026 e, durante o percurso que nos levaria ao Hotel Meliá Confort, no setor sul de Brasília, fiquei maravilhado com as construções faraônicas. Eu, que em 1996 havia passado por Brasília no ônibus Veneza, que a muito custo atingia noventa quilômetros por hora, sequer tinha notado na oportunidade a gigantesca morada do poder brasileiro. Enfim, eu estava no centro das decisões, aqui tudo começava e tudo terminava. O poder emana do povo, mas o povo facilmente se rendia ao poder na terra de Juscelino. O lugar onde imaginei não existir vida nos fins de semana nem esquinas acabou me mostrando uma terra de oportunidades e crescimento. A Brasília que apenas tinha visto na novela Rei do Gado estava agora diante de mim, e eu sabia que este era meu grande futuro. Naquele mesmo dia da chegada, tomando uma cerveja com Manfroi, disse a ele que Brasília nos reservaria muitas surpresas. Ele retrucou brincando e disse que muito em breve eu estaria tocando violão para o presidente, fato que um ano mais tarde se confirmou.
 

No dia 2 de fevereiro, tomei posse no Senado Federal, por ter chegado primeiro, junto com o Senador Suplente Cláudio Manfroi, fui o primeiro a tomar posse. Alguns dias depois chegaram Everton Braz e João Grando, ambos gaúchos e petebistas há vários anos. Em poucos dias o gabinete estava formado, a maioria das pessoas que foram contratadas morava em Brasília, apenas os cargos extremamente políticos vieram do Sul. Começamos a repetir o trabalho que era desempenhado no gabinete da Assembléia gaúcha, um trabalho direcionado para o social. Alguns chamavam de assistencialismo, mas o nome pouco importava, afinal este jeito de fazer política rendeu ao mais novo senador gaúcho quase três milhões de votos.
 

Seguir o trabalho que era feito no Estado não foi fácil, a distancia da base tornava o desempenho do gabinete muito dificultoso, mas aos poucos as peças foram se encaixando e a estrutura do novo gabinete na capital federal foi se ajustando. A mim foi designada uma função nova, porém a melhor para quem quisesse conquistar novos horizontes. Fiquei responsável pelos processos junto aos ministérios. Existia muito trabalho nessa área. Já no primeiro ano de mandato, os pedidos do Sul ultrapassavam cinco mil. Muitos votos, muitos pedidos, a conta era simples, logo o contato com as pessoas dos ministérios me dava mais autonomia a cada dia. Os cargos de confiança eram na maioria dos petistas, no Sul inimigos mortais, foram várias campanhas contrárias, com brigas homéricas. Agora, os mesmos contrários me ajudavam a solucionar as demandas, que não eram poucas.


No final do primeiro ano, eu já tinha estabelecido um trânsito livre nos ministérios. Fiz muitas amizades e tinha muita facilidade para liberar recursos para os municípios. Já no primeiro ano foram quase um milhão e meio de reais em liberações, mas foi a partir do segundo ano que tudo começou a mudar. O pedido de propina nos ministérios surgia do dia para a noite, o salário do Executivo não era lá essas coisas, e muitos que estavam chegando ao poder começaram a ser influenciados, no bom sentido, pelos antigos funcionários dos ministérios, que tinham escolas da corrupção de antigos governos. Alguns estavam ocupando cargos desde a ditadura. Dessa forma, o segundo ano foi um circo da corrupção, o pedágio virou regra para a liberação. Eu mesmo intermediei muita negociação entre prefeituras e ministérios.


Muitos culparam o assessor do Ministro José Dirceu, Valdomiro Dinis, que no início do segundo ano do governo foi exonerado por corrupção; muitos afirmavam que ele semeou a prática de propina nos ministérios, tanto que as liberações passaram a necessitar de sua caneta. Todo poderoso da Casa Civil, sua fama de obter recursos do jogo do bicho e bingos para financiamento políticos era grande, ele funcionava como um captador de recursos para o PT. Por essa razão tornou-se assessor direto do ministro-chefe da Casa Civil. Estava, assim, plantado no núcleo central do poder.


Diniz, em 2002, presidia a Loteria do Rio de Janeiro, nomeado pela então governadora Benedita da Silva, do PT. Em plena crise ele confessou aos repórteres que recebia o suborno e entregava pessoalmente aos políticos do partido, como fez quando entregou R$ 100 mil ao comitê do candidato petista ao governo de Brasília, Geraldo Magela. Disse ainda na época que teria contribuído com as campanhas de Benedita e de Rosinha Matheus, atual governadora do Rio de Janeiro. Pouco mais de um ano depois, toda a equipe da casa civil, seria desmantelada no mensalão.

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