Vigésimo Capítulo

O Engano
 
No dia primeiro de novembro, após ter acertado com meu primo Gilmar a entrega do carro que havia sido emprestado para a campanha, peguei a estrada para Porto Alegre. Antes de chegar à capital, quis ver minha família biológica em Camaquã, bati na porta e minha mãe correu para me receber, contei a longa história, e meus desgostos em ser um filho adotivo, contei que desejei voltar ao passado, ser criado por minha família verdadeira. Minha mão gostou de ouvir tudo aquilo, me disse que eu era seu filho e que deveria usar o nome da família, que deveria voltar sim ao passado. Isso tudo me deixou mais confuso ainda, era um turbilhão de pensamentos em minha cabeça, eu estava vivendo um momento de total insanidade, onde meus sentimentos se confundiam, e minha identidade estava obscura, já não sabia quem era, ou quem deveria ser. Minha mãe me mostrou fotos e meus documentos com meu nome verdadeiro, me deu tudo e pediu que pensasse, e que voltar a história só dependeria de mim, peguei tudo ainda tonto e sai da casa, com um gesto de até breve.
Voltei ao carro, entreguei tudo a Anita e voltamos para a estrada em viagem para Capital. Já chegando perto de Porto Alegre tive mais uma grande surpresa, quando parado por uma blitz policial, fui informado de que o carro estava sob busca e apreensão. Olhei espantado para Anita, que não me respondeu absolutamente nada. O carro foi preso, restou então pegar as mochilas e esperar o primeiro ônibus que passasse. Essa era apenas uma das surpresas que teria com a mulher que estava ao meu lado já grávida da minha futura filha Renata...

Dessa forma, nossa viagem terminou em Porto Alegre, onde me hospedei na casa de um amigo, Paulo Araújo, a quem tinha ajudado algum tempo atrás em sua chegada à capital. Eu estava completamente louco, ao saber a todo o momento que Anita, compulsivamente colecionava endividamentos em Jaguarão, de jóias e roupas com os cheques. Como o dinheiro era dela, a mim coube olhar e arcar com as dívidas que passavam a ser minhas, pois eu era muito conhecido. Dessa forma estava afundando mais um. Tentei de todas a formas terminar o relacionamento naquele momento, mas era tarde. Ao contrário do que dizia, ela nunca tomou remédio para não engravidar, além de furar as camisinhas com alfinetes dentro da embalagem. As loucuras eram inacreditáveis. Acabei tendo mais uma surpresa, mais um filho estava a caminho. Diante dessa situação, decidi continuar com ela.
 

Usei o pouco dinheiro que havia Guardado e adiantei o aluguel de uma casa no Bairro Hípica na Zona Sul da capital. No final do primeiro mês, antes mesmo do aluguel vencer, tratei de procurar meu amigo Paulo Santana e lhe contei o que estava acontecendo. Foi quando Paulo me apresentou o então diretor-geral da Assembléia Legislativa, Cláudio Manfroi, que eu já havia conhecido, porém sem muita aproximação, na campanha em que havia trabalhado para governador do Estado. Preparamos nesse dia uma festa na casa do Paulo, que fez com que eu tocasse para o líder petebista Manfroi. Já no fim da noite, depois de muito uísque e música, senti que as portas estavam se abrindo. Manfroi havia gostado muito do meu estilo e da minha história e pediu, na oportunidade, que lhe desse meu telefone, sinalizando a possível contratação para trabalhar na Assembléia Legislativa.

Era tudo de que eu precisava. Ao retornar para casa depois do fim de semana, sabia que um problema em minha vida ainda era muito vivo. Passei a ter um relacionamento de inimigo com a mulher que me acompanhava. Mesmo a notícia do possível emprego não foi o bastante para tranquilizar nossas vidas. Faltava tudo naquele relacionamento, e o principal não existia: Amor. Estava apenas aguardando o nascimento da minha terceira filha, cujo nome já havia escolhido: Renata.

Vinte dias depois, eu já estava trabalhando na Assembléia Legislativa, integrei o quadro do Fórum Democrático, setor responsável pela descentralização das audiências públicas. Em setembro estava fechando um mês como servidor público, e dois acontecimentos foram marcantes: Um em minha vida e outro no mundo. No mesmo dia, 11 de setembro para ser mais exato, o maior atentado terrorista acontecia nos Estados Unidos, enquanto na Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, nascia minha terceira filha, certamente a única coisa boa do pouco tempo que tive no relacionamento.

Logo em seguida ao nascimento da Renata, mudei-me para o Bairro Cristal, onde as brigas, que haviam se transformado em agressões não só verbais como físicas, continuavam dia a dia. No meu trabalho, cada vez me destacava mais. Tinha recebido a oportunidade e fazia de tudo para crescer. Construí uma amizade espantosa, em oito meses na Assembléia conhecia todos os que trabalhavam na casa. Também nessa época já mantinha outro relacionamento fora e muito pouco frequentava minha casa, exceto para ver minha filha. Dois meses depois recebi o convite para integrar a campanha do então deputado Sérgio Zambiasi para uma vaga no Senado da República.

Foi quando decidi me separar definitivamente. Foi uma luta intensa, a ponto do relacionamento, que já não existia havia muito tempo, virar uma guerra. No dia em que finalmente vi a mulher que nunca deveria ter conhecido sair da minha casa e da minha vida, subir no caminhão de mudanças e partir, senti o maior alívio que alguém pode sentir. Sentia apenas tristeza pela minha filha, pois tinha convicção de que dificilmente ela viveria bem ao lado daquela mulher, mesmo que fosse sua mãe. Minhas conclusões não estavam erradas.

Alguns dias antes de começar a campanha, viajei a Jaguarão para ver Renata. Cheguei à casa que havia alugado para ela morar e fiquei completamente decepcionado, tamanho o descuido com que Anita criava minha filha. Como estava farto de discussões, apenas peguei Renata, dizendo que ela iria ficar o final de semana comigo, e deixei o local. Passamos um fim de semana maravilhoso junto com meus pais, que têm grande paixão pela menina, mas minha surpresa foi na segunda-feira, quando retornei para entregar Renata. Anita havia deixado um bilhete com uma vizinha dizendo que não queria mais a filha e aproveitou para deixar uma sacola com duas fraldas e uma única blusinha. Estava eu numa situação difícil de resolver, não poderia levar Renata. Aconselhado por um amigo advogado, tratei de visitar o conselho tutelar e o juiz de plantão para registrar o abandono. Fui aconselhado a passar a guarda provisória para meu pai. Pelo menos com meus pais teria certeza de que minha filha estaria segura.

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