Décimo Nono Capítulo

Minha Campanha

Minha escolha pelo Partido Progressista, embora de longe comungasse com a ideologia em que acreditava, deu-se dentre tantas coisas pela aliança com um primo do antigo PDS que era um dos maiores cabos eleitorais da cidade, homem humilde, dono de uma simplicidade jamais vista, incansável no trabalho e de uma fidelidade de dar inveja a qualquer um. Confesso que quanto mais o conhecia, embora tivesse permanecido durante anos ausente do convívio familiar, mais me surpreendia tamanha a vontade de vitória em minha campanha.

E assim começamos a traçar projetos para buscar votos no dia-a-dia. O dinheiro era o fator mais complicador. Eu, que até então havia participado de campanhas milionárias, dessa vez tinha a minha sem recurso algum, apenas as economias que havia feito no último ano. Para começar, o carro que usamos era emprestado de um amigo da capital. Um empresário jaguarense dono de um posto de gasolina, Neuverley Tamer, cooperava com alguns litros de gasolina que mal davam para percorrer os bairros da cidade. Foram várias as estratégias para buscar algum recurso. Nos primeiros cinco meses do ano comprei um programa na Rádio Meridional, de propriedade de Alexandre Ribas, filho de um ex-prefeito da cidade que ficou reconhecido por sua forma de governar para o povo. Acabou morrendo antes de completar o mandato em um acidente de trânsito que comoveu a cidade.

Alexandre não era querido apenas por ser filho de Ribas, mas também por ser um jovem simpático e simples, o que lhe proporcionava grande apreço por parte da comunidade. Com ele também trabalhei no jornal durante dois meses, tentando salvar a filial que existia em Arroio Grande, cidade vizinha a Jaguarão. Era muito difícil trabalhar com jornalismo nas pequenas cidades do extremo sul. Devido ao baixo poder aquisitivo, a leitura tornava-se supérflua, nem todos tinham condições de trocar o pão por jornais. Constatei tal realidade quando fracassei na reestruturação do jornal filial na cidade vizinha, que acabou fechando. Todas essas circunstâncias fizeram do jovem Alexandre um homem de extrema coragem e visão. Levar a informação para o povo em tais condições eram um desafio e uma atitude repleta de méritos. Mesmo tendo encerrado as tiragens nas cidades de Herval e Arroio Grande, continuou firme na fronteira, tornando-se um dos maiores jornais da região.

Trabalhar na empresa de comunicações Meridional foi fundamental. Além de me promover, comunicando-me com a população, usava a venda de patrocínios para manter a mim e a família do meu primo, Gilmar da Rosa, que se obrigou a abandonar o emprego para se dedicar integralmente a minha campanha. O fato é que às vésperas das convenções fui obrigado a entregar o programa da Rádio Meridional, já que a Justiça Eleitoral não permitia que candidatos exercessem a profissão de radialista A essa altura, a divulgação de meu nome estava bem difundida.


Tínhamos idéias, um grupo fechado de bravos lutadores, que, embora não dispusessem de dinheiro, deram suas vidas à causa. Toda campanha deixa suas histórias. Nunca me esqueço do amigo Mário, um dos meus coordenadores. Gastava as largas avenidas da cidade com uma Caravan, cuja porta volta e meia caía: Meu nome acabava ficando sem algumas letras, já que as propagandas ficavam nas laterais do veiculo. Para preservar a propaganda, passou grande parte da campanha juntando as portas do velho carro, mas continuou firme sem desanimar, minha equipe também era muito legal as gurias sempre do nosso lado, como a Josi e as outras meninas que dividiam campanha e alegria fazendo votos em todas as festas da cidade...

Nunca recorri à elite para buscar recursos, queria ganhar ao lado do povo, a emoção falou mais do que a razão, eu era o candidato, não estava coordenando a campanha de alguém. Incrivelmente, depois de tantos ensinamentos, não havia aprendido que dinheiro é fundamental. Se não quisesse aprender com as campanhas passadas, pelo menos deveria ter ouvido com mais atenção os contos de antigos coronéis, que diziam de toda goela: “Para uma eleição certa é preciso um bom caminhão, foguetório a todo vapor, três capachos pra te chamar de doutor e dinheiro pra comprar o eleitor.” Continuava sendo um candidato sem rejeição, mas nos faltava a estrutura financeira.

O candidato da majoritária, Antônio Carlos Marques, um fazendeiro que muitos diziam estar passando por um processo de falência, já que boa parte dos fazendeiros da região encontrava-se em tal situação, seguia com uma campanha medíocre, sem nenhum programa de marketing ou estratégia política. Nunca soube se ele se tinha por derrotado ou o excesso de confiança é que atrapalhava sua campanha. Por outro lado, o então prefeito do meu antigo partido, candidato à reeleição, Vitor Hugo Rosa, usava toda a máquina e simpatia junto ao povo em sua campanha. Vitor Hugo nunca rejeitava um trago ou uma boa prosa com os eleitores e a cada dia ia conquistando adeptos ao seu estilo próprio, de político popular.


Minha experiência mostrava que nossa coligação, formada pelo PPB e PFL, caminhava para um grande fracasso, porém, em nenhum momento, deixei transparecer tal preocupação. Uma possível vitória na disputa pela prefeitura renderia alguns cargos aos mais votados da proporcional. Essa possibilidade se traduzia em esperanças aos meus seguidores. Não tínhamos dinheiro, por consequência, nossa campanha se resumia a sonhos à beira de uma lareira na pequena casa do Bairro Bela Vista onde morava meu primo. Eu com duas filhas para dar pensão, e ele com duas para sustentar, mais a mulher, que naqueles meses segurou todas as pontas por ser a única que continuava trabalhando.
 

Nosso comitê, que ficava na Avenida Julio de Castilhos, diariamente se parecia com um templo evangélico nas tardes de domingo, tamanho o movimento. Contas de água e luz surgiam aos milhares. Conscientemente, nunca compactuamos com tal costume. Mesmo que quiséssemos, não tínhamos saldo em caixa, e cada conta que deixávamos de pagar era menos um voto. Aos poucos a situação foi se normalizando e logo só tínhamos pessoas que realmente eram adeptos da causa, vinte ou trinta eram as pessoas que nos acompanhavam diariamente, fora o grupo fechado do dia-a-dia.

Foi quando apareceu em nossas vidas uma mulher querendo colaborar com a campanha. As dificuldades levaram todos aqueles que me acompanhavam na campanha a me convencer de que deveria aceitar os carros e o dinheiro que ela insistia em oferecer. Por outro lado, não queria outro envolvimento e não precisava muito para perceber que envolvimento era tudo que ela queria. Comecei então a aceitar suas ajudas e acabei me envolvendo afetivamente com ela. Ela teve uma briga com o marido, que levou à separação dos dois, e ela, para dentro de minha casa.


O pior tinha acontecido, porém eu não conseguia enxergar, só tinha olhos para a cadeira na câmara de vereadores, e o fatídico dia da eleição chegou. Noites mal-dormidas, preocupações, reuniões, sonhos, tudo se resumiria a apenas oito horas, e na véspera daquele domingo ninguém dormiu, não tínhamos fome, a casa que havia alugado para a campanha estava cheia, e todos acreditavam na vitória.

Às oito horas da manhã, a pequena cidade acordou para exercer o direito do voto. Queria ter naquele dia o poder de controlar as mentes e fazer com que todos votassem em mim, mas isso não aconteceu. A cada hora que passava, rodava pela cidade, querendo adivinhar os votos de cada um. Assim, o dia mais rápido de minha vida se passou, e às dezessete horas a Rádio Cultura deu início às apurações dos votos. A urna eletrônica é implacável: para quem vota a facilidade, a tecnologia a serviço do povo; para quem é candidato, a rapidez realiza nossos sonhos em minutos ou nos atira ao fundo do poço tão rápido que não podemos sequer buscar algo para nos agarrar. O fundo do poço chegou para mim com apenas cinqüenta minutos de apuração. O candidato da majoritária já havia sido derrotado, seus 5595 votos não foram suficientes para derrotar o candidato do PMDB, que estava reeleito com 7474 votos. Eu travei nos duzentos e setenta e sete votos, acabando como suplente.

O comitê, que havia amanhecido lotado, resumia-se a apenas seis pessoas e alguns materiais de campanha jogados pelo chão da sala de reuniões. Gilmar, Mariângela, Lauro e meu sobrinho Fagner, todas choravam. Eu tentava consolar um a um, porém na verdade eu estava vazio. Minhas preocupações, que até a madrugada anterior, concentravam-se na eleição, agora se voltavam para a imensidão de dívidas que havia colecionado no decorrer da campanha. Ninguém conseguiu dormir naquele dia 31 de outubro, tentávamos desesperadamente achar um culpado para a derrota em que ninguém acreditava. Perto das quatro e meia da manhã, consegui convencer todos de que não havia culpado, era apenas o processo do destino, mas sei que cada um levou consigo, enquanto saíam pela porta da frente, uma razão pessoal da derrota. Por outro lado, nunca indaguei qual pensamento cada um deles levou para casa naquela madrugada.

Agora tinha uma companheira que nunca quis ter, porém, não podia expulsar de minha vida uma das únicas pessoas que permaneceram ao meu lado. Minha atitude de lealdade me levou para mais um relacionamento negro em minha vida. Antes mesmo de tentar dormir, Anita, me convenceu a ir para Porto Alegre. Ela, que já havia abandonado o marido, estava disposta a abandonar os filhos e partir comigo. Encarei com surpresa sua atitude, porém, diante a situação, não hesitei em aceitar o convite.

Lembro que quando acordei no outro dia já havia um caminhão de mudanças à minha porta. Ela tinha preparado tudo com uma habilidade e rapidez estonteante. O carro estava abastecido, e tão logo a transportadora carregou os móveis, que ela havia pedido para deixar em um galpão de um amigo, partimos para Porto Alegre. Sair de Jaguarão sem dar explicações poderia ser o fim de qualquer futura pretensão política, mesmo assim embarquei no carro quase em choque diante do resultado do dia anterior e parti. Tempos depois, descobri que eu estava saindo, mas ela estava fugindo, e dessa maneira cometi um dos maiores erros da minha vida, antes de sair ainda passei na casa dos meus pais, e uma ultima briga acabou por vez comigo, falamos de problemas inúmeros e veio mais uma vez a tona a questão se ser filho adotivo, eu estava convencido que faltava  apoio por parte deles pelo fato de não ser filho verdadeiro e de carregar apenas o sobrenome da família, mas não carregava o sangue. Naquela hora desejei estar na minha família verdadeira, de sangue, ter o nome da minha família verdadeira. Sai arrasado da casa dos meus pais, e pegamos a estrada em direção ao futuro incerto.

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