Décimo Sexto Capítulo


O Prefixo

Desempregado, sem dinheiro, era a situação em que me encontrava no ano de 1995. Dessa forma, aceitei o convite da minha grande amiga Jacira para ocupar algumas peças que ficavam no fundo de sua casa no Bairro Guarujá. Sem muita opção, comecei a tocar em alguns bares noturnos da capital, situação que me incomodava muito. Um dia um grande músico, com shows para milhares de espectadores, e agora tocando por alguns trocados para meia dúzia de pessoas. Mas é assim a vida, e o pior ainda estava para vir. Apenas o dinheiro que ganhava, tocando na noite, não era suficiente para as minhas despesas.
 

Como sempre, dispensei a idéia de retornar a casa de meus pais, e acabei sentado em um táxi. De um dia para o outro, lá estava eu, um taxista em Porto Alegre. Minha queda vinha rápido demais, mas mesmo assim nunca me deixei abalar e encarei a situação de maneira normal, exceto quando alguns frequentadores dos grandes shows de que havia participado subiam em meu táxi – meu, por expressão de dizer, pois na verdade eu não passava de um funcionário do proprietário do automóvel. Nunca entendi se o espanto maior era meu ou de quem embarcava, mas o certo é que o constrangimento era grande. Mas tudo na vida tem adaptação e eu tinha certeza de que tudo aquilo era temporário. A experiência que adquiri nessa época, ao transportar drogados, psicopatas, maníacos e pessoas de educação exemplar foi fundamental para o processo de aprendizagem da vida. Seis meses, esse foi o tempo que pilotei pelas madrugadas os famosos laranjinhas, cor dos táxis da cidade de Porto Alegre.


Durante todo esse tempo permaneci morando no Guarujá e já estava havia um ano e meio sem visitar a minha família. Quando tinha oportunidade de falar com meu pai, sempre vendi a imagem de sucesso absoluto na capital gaúcha. Lembro que nessa época, me encontrava em extremas dificuldades financeiras, optei por me mudar do Guarujá para uma pequena maloca no Chapéu do Sol. Por incrível que pareça, depois de tantos anos, era como se eu tivesse voltado para as granjas, já que o banheiro da pequena ximbra, que media quatro por quatro, ficava nos fundos, como as antigas patentes das localidades rurais. O aluguel era apenas um terço do salário mínimo, na época bastante para mim, que sequer ganhava dois. O mercado de trabalho era impiedoso, com apenas a sétima série do primeiro grau, as oportunidades eram parcas e, por assim dizer, mínima, já que não tinha tempo para retornar aos estudos, e só me restava o submundo da mão-de-obra.
 

Nessa época tinha de agradecer a Deus por ter tirado a carteira de motorista no Exército, caso contrário, estaria em alguma obra como servente de pedreiro. O táxi era deprimente, porém era um serviço na maioria das vezes tranqüilo, exceto quando se encontrava no caminho algum bêbado ou fadista drogado no fim da madrugada. Meu prefixo, que jamais esquecerei, era 2341, o prefixo de um tempo que, embora tenha durado apenas meio ano, ficou marcado para toda a minha vida.

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