Décimo quinto Capítulo


O Músico

Tão logo deixei o Exército, entrei de corpo e alma na vida musical. Mesmo durante meus últimos meses de permanência no Exército, já vinha formando uma banda com alguns amigos que havia conhecido no meio musical. Agora, podendo me dedicar à vida artística, tratei de estruturar o conjunto, e seis meses depois estávamos lançando nosso primeiro LP. Entre os companheiros que tocavam comigo, criei afinidade muito especial com Cristiano, o baixista da banda, Leandro, o gaiteiro, e Luciano Pecou, o baterista. Nós morávamos juntos em uma pequena casa no bairro Ponta Grossa, na zona sul da capital.


Com velocidade espantosa, a banda começou a fazer shows e sucesso em muitas cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No primeiro ano, a agenda chegou a ficar sem espaço, tamanha a procura dos empresários para contratar o grupo “Alma Gaudéria”. Nossa primeira gravação com a produtora Raízes Discos e o selo da Continental atingiu a venda de 10 mil cópias em apenas 30 dias. Nosso conjunto era formado por jovens até 25 anos e isto atraía os adolescentes e os simpatizantes da música alegre e bem tocada.


O sucesso que havia chegado com rapidez enorme também trazia a discórdia e a disputa interna. Eu era o sócio majoritário da banda, havia usado toda a minha indenização do tempo do quartel para investir em equipamentos importados. Por essa razão, as decisões, na maioria das vezes, acabavam chegando a mim. Por tudo isso, fui colecionando antipatia de muitos integrantes. Mesmo diante de todos esses problemas, jamais encontrei em qualquer outra coisa a magia de estar no palco. É como se tudo fosse alegria – entre o microfone e a platéia não existia crise. Posso afirmar que me sentia um rei comandando seus súditos, é incrível o poder de persuasão que se tem sobre o público que está nos aplaudindo. Tudo isso fez com que eu, apesar de todos os problemas, jamais esquecesse os momentos de plenitude e magia que vivi naquela banda.

Frank e Alex, dois irmãos que também integravam a banda, deram o pontapé inicial para a destruição do grupo. Tenho consciência, porém, de que nós todos tivemos nossa parcela de culpa, a disputa da vaidade e do ego é inimaginável quando estamos em ascensão. Quer conhecer alguém? Dê a ele poder e fama. Dessa forma, ficamos em ascensão apenas um ano, e tudo desmoronou. Todo o dinheiro que havíamos ganhado estava revertido em ônibus e aparelhagem. A divisão dos bens foi um inferno, mas mesmo assim valeu o preço de poder ouvir minha voz no rádio, dando alegria a tanta gente. Foi nessa época de brigas e disputas pessoais que conheci uma grande amiga, Jacira, com certeza, umas das pessoas mais incríveis que já encontrei. Foi ela que me deu forças em um dos momentos mais difíceis de minha vida.


Havia deixado uma carreira brilhante para ir em busca do que realmente era a minha paixão e logo na primeira tentativa – eu que fui sempre tão coerente –não consegui contornar a situação, acabando mais uma vez só. Depois da partilha feita, e ainda tocando nossas músicas na rádio, decidi partir para Santa Catarina, onde aluguei um restaurante em sociedade com um amigo na praia de Laguna, e lá permaneci por toda a temporada. Minha filha Brenda, que já estava com quatro meses, foi internada às pressas com meningite no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Tão logo recebi a notícia, vendi minha parte do restaurante que poucos meses atrás havia comprado e retornei a Porto Alegre. Estava me sentindo um cigano; como sempre, o violão, meu companheiro inseparável. Minha filha permaneceu vinte e cinco dias internada, dos quais vinte e três eu permaneci ao seu lado, fazendo com que pela primeira vez eu me apegasse tanto a alguém. E lá estava eu novamente em Porto Alegre, feliz, pois minha filha, meu grande tesouro, havia nascido de novo.

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