Décimo Sétimo Capítulo


A campanha

Os dias de 1995 estavam terminando e eu não via muitas razões para comemorar, exceto pelo evento na virada do ano, quando conheci um goiano que estava no Rio Grande do Sul há sete anos, o ex-vendedor de materiais de construções que havia se formado em Direito, Doutor Sebastião de Araújo Melo, peemedebista afervorado, que acabou me convidando para ajudar na campanha para a prefeitura da capital. Não me fiz de rogado, minha situação não permitia tal atitude, de pronto me coloquei à disposição para me engajar no projeto. É claro que ele contratou muito mais meu violão do que eu, mas em tempos de vacas magras, valorizando meu companheiro, já era uma grande notícia, e assim começamos nos primeiros dias de 1996 a estruturar o diretório metropolitano do PMDB. Melo também era conhecido como desafeto do seu correligionário e governador do Estado, Antônio Britto.
 

Minha experiência em política se resumia a segurar uma bandeirinha do Brasil para o Presidente João Batista Figueiredo, mas lá estava eu. Consegui com minha velha amiga de todas as horas, Jacira, um terno e algumas gravatas que o seu pai já não usava, por cima, havia uns cinquenta anos. Pelo menos, essa era a aparência das gravatas acetinadas. Eu, um legítimo tavanês, dentro daquele terno, com o cheiro enjoativo de naftalina, já me sentia o próprio executivo bem-sucedido. Mas o incrível de tudo isso é que naquela tarde, ainda quando engraxava os meus sapatos, percebi que o novo horizonte surgia a minha frente. Confesso que, além da farda, foi a primeira vez que coloquei um terno, e pouco importava se os ombros estavam caídos devido ao tamanho, que notoriamente não era o meu.


Comecei como auxiliar na secretaria política do partido, mas acabei na verdade virando as noites dos finais de semana tocando para os grandes políticos de Porto Alegre, ganhando um pouco mais e provando o alimento da dignidade. Voltei aos estudos, matriculei-me no supletivo unificado situado na Avenida Alberto Bins. Lembro que muitas vezes dormia em plena aula, mas muitos colegas também viviam a mesma realidade, o cansaço após o trabalho diário era incontrolável. A força de vontade e o apoio dos amigos foram fundamentais, e em pouco tempo estava formado. Dobrar muitas noites estudando valeu a pena.
 

Logo consegui alugar uma casa melhor, já tinha um carro para me locomover, que, embora fosse do meu chefe, ficava a maioria das vezes comigo. A vida tinha novamente me dado uma trégua; mesa, telefone e condições de freqüentar bons ambientes me injetaram de novo para a autoconfiança, que, tenham a certeza, é fundamental na vida. Foi assim que cheguei a maio de 1996, mês em que começaria a campanha para a prefeitura. Nosso candidato era Paulo Odone, conhecido dirigente de futebol que se elegeu deputado estadual apoiado pela fanática torcida do Grêmio Futebol Porto-alegrense. Entrei naquela campanha com toda a força possível e vi, a cada dia que passava que todas as coisas que havia feito antes eram apenas detalhes do que eu estava fazendo.
 

Minha vida era sem sombra de dúvidas a política. Enquanto eu fazia campanha para prefeito com ofício de coordenar os pintores de muro e os coladores de papéis – diga-se de passagem, um dos cargos mais humildes em uma coordenação de campanha, porém me sentia como coordenador geral –, Sebastião Melo disputava uma cadeira na câmara de vereadores, mas acabou perdendo, e meu candidato a prefeito ocupou o quinto e último lugar. Todos estavam completamente abalados. Hoje tenho certeza de que naquela campanha de 1996 só teve um ganhador: Eu.


Nesse ano, o resultado das eleições consagrou o Partido dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul, que foi eleito para administrar Porto Alegre pela terceira vez. Tarso Genro fez seu sucessor, o candidato Raul Pont, que se sagrou vencedor com 51,97 % dos votos. Pont colocou em prática a estratégia de anteriormente assumir a presidência da apática associação dos municípios da grande Porto Alegre e transformou a entidade numa trincheira de resistência aos avanços do governo estadual, que estava nas mãos do PMDB e aliados, com o Governador Antônio Britto, que foi o responsável pela aprovação de praticamente todos os projetos de lei e emendas constitucionais apresentados à Assembléia. Em dois anos de mandato, não chegaram a 10 as propostas rejeitadas pela Assembléia. Ao colocar sob o mesmo teto PMDB, PPB, PFL, PSDB, PTB e PL, Britto conseguiu neutralizar a oposição, reduzida a 18 parlamentares (seis do PT, nove do PDT, três do PSB e um do PC do B). A aliança começou a ser construída no primeiro turno da campanha eleitoral de 1994, com a união de PMDB, PSDB, PFL e PL em torno da candidatura de Britto. Afora o PMDB, porém, nenhum dos outros três partidos tinha peso eleitoral no Estado. Foi no segundo turno do pleito de 1994 que Britto recebeu a adesão mais importante: O então PPR (ex-PDS), antecessor do atual PP. O sucessor da Arena – partido que deu sustentação à ditadura militar – tinha duas alternativas: Ou se mantinha neutro na disputa ou subia no palanque peemedebista, passando por cima de mais de duas décadas de inimizade. O pragmatismo eleitoral falou mais alto.


A aliança entre PMDB e PPB enfrentou nos dois primeiros anos do governo Britto resistências no interior, principalmente entre prefeitos, mas que não chegaram a comprometer o relacionamento das duas maiores legendas do Estado. A adesão à candidatura de Britto rendeu ao PPB uma influente participação no governo e a garantia de que na eleição de 1998 caberia a eles a indicação do candidato a vice-governador – e não mais ao PSDB, como em 1994. Mesmo assim o PT conseguiu chegar ao poder. Cidades importantes do sul, Caxias, o segundo maior colégio eleitoral, e a região metropolitana, que concentrava um terço do eleitorado gaúcho, ampliaram a área de influência, elegendo prefeitos em Gravataí, Viamão e Alvorada. Por muito pouco não obtiveram a vitória na maior cidade do extremo sul, Pelotas – acabaram perdendo para o PDT, devido ao surgimento do médico populista Anselmo Rodrigues, que surgia como salvador da pátria, devido à situação caótica da metade sul. Dessa forma, a estrela vermelha começava a dar sinais de que seria grande força do país, virando mania nacional. O PSDB ocupou a segunda posição, com uma candidata inteligente, Yeda Crusius, que obteve 21,27% dos votos e foi à única ameaça ao candidato petista.

Derrotas à parte, lá estava eu, com a auto-estima renovada e pronto para entrar em outra roubada. Sem prefeito, sem cargos, foi quando aceitei a proposta de um empresário do meio musical para integrar um grupo novo chamado “Alma de Campo”, por sinal, a alma me seguia, e embarcamos para uma turnê nacional. Amanheci em Porto Alegre e quatro dias depois estava eu na Bahia. Tocamos lá três dias, depois descemos para Brasília, capital federal, que por sinal achei péssima, descemos para Minas Gerais e Mato Grosso e, oito meses depois, retornamos para Porto Alegre. Oito meses de loucura total, o ônibus passou a ser minha casa, estava exausto, porém o medo de retornar era maior. Não pretendia continuar com música e sabia que, após chegar aos pampas, teria que repensar toda a minha vida. Foi exatamente assim que aconteceu. Em junho de 1997, cheguei a Porto Alegre, estava um frio horrível. Meio sem pensar peguei a parte do pagamento que me tocava ou o que sobrou das bebedeiras e festas pelo Brasil afora e enveredei para a rodoviária. Voltei para Jaguarão.

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