O Aprendiz
Minha chegada a Jaguarão ficou marcada pelo encontro com amigos e familiares. Eu tinha milhões de histórias para contar e, diante de todo o frenesi da chegada e encontros, em momento algum me preocupei com o que faria na cidade quase esquecida pelo tempo. Nos primeiros meses, tudo acabava sendo festa, ainda tinha guardado algum dinheiro e isso me dava estrutura para me manter, mas o dinheiro acaba, assim como também acabou minha paciência. Minhas idéias revolucionárias não cabiam mais naquele mundo pequeno dos amigos e da família. Acabei encarando o pequeno período que passei na fronteira como uma fuga para buscar energia e depois dar continuidade a minha vida. Assim foi feito, eu via meu passado em cada pessoa que falava; as informações pareciam chegar tarde à pequena cidade.
Em pouco tempo nada era aceitável, acabei ficando sem espaço, as mesmas caras, os mesmos assuntos foram maltratando minha paciência. Cada vez mais, eu percebia que havia mudado muito durante o tempo que fiquei fora, uma mudança que me deixava longe das idéias e dos costumes da minha própria terra. Porém tudo se agravou dada à falta de oportunidade e a ânsia de me inserir como líder. Tudo que havia vivido não era suficiente para que as pessoas acreditassem em minhas idéias, era necessário crescer mais, e ali certamente não era o lugar para alguém que desejasse crescer, para enfim liderar.
Levei algum tempo para entender o recado que a vida estava me dando, mas enfim tudo ficou claro. Assim, após seis meses, deixei Jaguarão, mas também nessa época aprendi que o que eu havia vivido valeria muito para me projetar na pequena cidade. Naquele pouco tempo aprendi a conhecer meu povo e percebi que, ao contrário do que imaginava em minha infância, os grandes coronéis da minha terra não eram heróis ou grandes homens, apenas lideravam pelo fato que, em terra de cego, quem tem um olho é rei.
Em 1998, estava novamente na capital. Voltei para trabalhar com amiga Jacira, no bairro Ipanema, e permaneci até o começo da campanha eleitoral para o governo do Estado do Rio Grande do Sul. Assim que a campanha começou, eu, que já havia adquirido experiência e amizades no meio político, devido à campanha de 1996, não tive problema em me encaixar na coordenação da região metropolitana, junto com o grande amigo Paulo Sant’anna, que havia conhecido por meio de Sebastião Melo. Começamos a montar o comitê eleitoral no centro de Porto Alegre.
Paulinho se revelou meu grande companheiro dessa época, sujeito prático, com idéias alentadoras. Fizemos juntos as táticas para apresentar a coordenação geral. Todas foram aceitas e, por essa razão, desempenhei um papel bem mais importante do que o da campanha municipal de 1986. Criamos uma equipe com Luiz Henrique Teixeira para coordenar o financeiro e também as equipes de divulgação da grande Porto Alegre. Nesse ano, conheci os grandes estrategistas políticos do Estado, entre eles, Cláudio Antônio Manfroi, Assis Roberto e José Alfredo.
Aproveitei cada momento daquela eleição para aprender lições que me valeriam para o resto da vida. Dobramos noites durante seis meses, traçando estratégias para reeleger o candidato peemedebista Antônio Britto, que muitos conheceram como o homem que anunciou, em 21 de abril de 1985, a morte de Tancredo Neves. Britto tinha como adversário o líder petista do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, um ex-contínuo do Banco do Estado que havia nascido no município de Bossoroca, no interior do Rio Grande. O primeiro turno, Britto venceu com uma pequena margem, e todos tiveram a campanha como certa, mas o engano foi grande. O PDT estava em cima do muro, o ex-governador natural de Bagé Alceu Colares nunca apoiou o candidato Antônio Britto, peemedebista que tinha o PPB, antiga ARENA, como vice, no nome de José Otávio Germano, que foi um dos candidatos mais difíceis de trabalhar que já vi. Desistia com grande frequência de compromissos, deixando milhares de pessoas à sua espera. Aliada à indisciplina, foi colocada em prática a estratégia de demitir em massa todos os militantes pagos do primeiro turno para que fosse entregue o comando aos candidatos a deputados que haviam perdido a eleição. Eles estavam mais preocupados em pagar suas dívidas do que a dar sequência à estrutura montada no primeiro turno.
Todos esses erros levaram à derrota por pouquíssimos votos para o candidato petista Olívio Dutra, que somou 2.844.767 milhões de votos contra 2.754.401 do candidato à reeleição Antônio Britto. A diferença era de apenas 87.366 mil votos, menos de 0,2% do eleitorado gaúcho. Dutra era o novo governador do Rio Grande do Sul. Todas as tentativas do governo de alavancar o Estado com empreendimentos como a vinda da Montadora GM e o contrato com Montadora Ford não foram suficientes para reverter à rejeição que Britto havia adquirido devida a seus rompantes de arrogância e empáfia, marca maior da campanha.
O domingo em que seria realizada a votação do segundo turno ficou marcado pela invasão vermelha na capital. Tivemos que sair fugidos do comitê, que acabou, por volta das dezesseis horas, sendo invadido pelos petistas eufóricos com a pesquisa de boca de urna, publicada pela Rádio Gaúcha RBS, dando como certa a vitória do PT no Estado.
Aquele domingo também colocou em minha vida uma bagagem eterna. O que havia aprendido ninguém jamais me tomaria, mas também percebi que estava colecionando derrotas, embora Pedro Simon houvesse se elegido Senador da República com quase dois milhões e meio de votos, campanha de que fui responsável. Mesmo boa, não a encarava como vitória: Simon se elegeu quase sem adversário, seus oponentes, Pedro Ruas, do PDT, e Bisol, do PT, não ofereciam risco à sua reeleição. Simon era quase uma unanimidade entre os gaúchos, haja vista sua expressiva votação. Lembro que ainda colecionei a mágoa de sequer receber um agradecimento do senador eleito: “quem perde leva muito mais tempo para esquecer”.
Mais uma vez sem vitória, sem cargo, lá estava eu desempregado. Durante a campanha, conheci Paula Vaz Pinto, advogada que permaneci namorando por um ano. Foi ela que me deu força no momento difícil que passei no final do ano de 1998. Logo que terminou a campanha, consegui uma vaga como vendedor de produtos alimentícios em uma empresa de Canoas. Ganhava muito pouco e andava muito, mas encarei o ano de 1999 com tranquilidade, fazia alguns bicos em conjuntos musicais, uma vida humilde, tudo porque já tinha em minha mente a idéia de concorrer como vereador às próximas eleições municipais em Jaguarão. Assim, em dezembro do mesmo ano, deixei a capital e voltei para a grande eleição de minha vida. Meu partido, PMDB, não me aceitou no pequeno município, obrigando-me dessa maneira a me filiar ao PP, adversário histórico do PMDB. Os problemas começavam a surgir antes mesmo da campanha, já que as grandes lideranças políticas com quem tinha amizade ficavam no partido de que estava saindo. Mesmo assim, eu tinha muita experiência e acreditava que esta me ajudaria a ganhar as eleições em minha terra, independentemente de sigla partidária.
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