O Comandante
O ano de 1988 era a grande promessa de minha vida, estava convencido de que quem passara por tudo o que eu havia passado não teria nenhum problema nas fileiras do Exército. E o grande dia havia chegado, meus olhos estavam brilhantes outra vez, lembro o quanto foi importante à possibilidade de servir. Com certeza outros tantos que ali estavam tinham o mesmo sentimento enquanto aguardavam o comunicado de quem ficaria ou seria dispensado naquele mesmo dia.
Não tardou muito para que entrasse um homem claro, com a farda impecável; tinha sobre seus ombros algumas estrelas e o respeito de todos os que nos cuidavam na sala fria da seleção dos conscritos, como nos chamavam. Com uma lista nas mãos foi chamando nome por nome todos os que estavam presentes. A cada nome chamado, meu coração batia mais forte. Após algum tempo meu estado era desesperador, até que meu nome foi pronunciado, porém para a reserva, por excesso de contingente. Minha garganta estava seca, mesmo assim reuni forças e perguntei ao homem quase intocável o que eu deveria fazer para servir ao Exército Brasileiro. Com certo desprezo, ao mesmo tempo em que transparecia um olhar de admiração pela coragem mostrada com tanto afinco, pediu a um dos militares que se postava a sua retaguarda que me levasse a sua sala e permanecesse aguardando sua chegada. Quando me dirigia acompanhado pelo militar tinha a certeza de que uma nova esperança havia surgido, minha fé era monstruosa, não me permitiria a desistência. Aquele lugar era o início da minha nova vida. Tão logo entrei na sala, percebi pelas fotos e certificados espalhados por toda a parede que aquele homem que minutos atrás eu havia abordado se tratava do comandante da unidade, Maj. Edson Shualb.
Naquela sala permaneci por longas horas, ensaiando meu roteiro, a fim de convencer aquele homem do quanto era importante chegar à minha casa e dizer ao meu pai que fora aceito pelo Exército. Quase ao findar da manhã, meu dilema estava prestes a acabar, as pisadas fortes pelo estreito corredor indicavam a chegada tão esperada do comandante, que sem dar tempo de apresentações foi logo despejando os motivos pelos quais não tinha meu nome na lista dos convocados. Com a voz áspera e forte, informou-me de que a Polícia Federal tinha restrições quanto minha entrada na caserna por se tratar de alguém que praticava contrabando entre os dois países. De maneira seca perguntou-me o que eu tinha a declarar. Se existe dia de inspiração, sei que aquele foi um deles. Nem eu mesmo me conheci, as palavras fluíram da minha garganta como quem canta algo muito conhecido. Sem pestanejar, apenas declarei que estava ali para servir a minha pátria, porque essa era minha vontade e a vontade do meu pai. Pedi que não me julgasse sem me dar oportunidade e afirmei que, se a minha permanência nas fileiras do Exército fosse aceita, com certeza não haveria decepção de nenhuma parte. Quase perplexo, ao mesmo tempo em que tentava disfarçar, o homem alto com o rosto sisudo pediu que eu aguardasse na sala ao lado. Percebi naquele momento que havia vencido minha primeira etapa. Pouco depois outro militar, cujo nome nunca mais esqueci, Esqueffe, sargentão antigo, bonachão, encaminhou-me para uma fila enorme junto aos outros, para apanhar as fardas e os materiais de higiene. Enfim, eu estava no Exército Brasileiro.
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