Eleições 2004
O ano de 2004 estava presente e, claro, ano par, eleições à vista. Deixei meu grande amor a minha espera e fui para mais uma das tantas eleições de que participei. Eu tinha duas missões complicadas: a primeira era eleger Antônio Carlos Marques, que, pela terceira vez, buscava a prefeitura. O Prefeito Vítor Hugo havia morrido um ano antes devido a problemas cardíacos: “O coração desse grande político não resistiu ao seu jeito forte e irreverente.” Diga-se de passagem, a política da Região Sul perdeu com sua morte “uma grande personalidade”. Aliados e contrários choraram sua morte, era um político leal, o que é raro nos dias atuais. Vítor Hugo, mesmo sabendo da minha oposição ao seu governo, sempre me procurou, da mesma forma que sempre me atendeu quando eu sugeria novas reformas para a cidade.
Essa situação tornava mais confortável nossa campanha, tendo em vista que nenhum candidato ganharia do Vítor Hugo Marques da Rosa. Esquecemos, porém, que seu espírito carregava a chama do PMDB, o que tornou impossível vencer seu sucessor e vice de sua administração, Henrique de quê?
Quando cheguei à pequena Jaguarão, faltavam apenas vinte dias para o dia “D”. As pesquisas davam uma larga vantagem para a máquina administrativa, que buscava a permanência no Executivo. Henrique tinha quase dois mil votos de vantagem sobre o candidato, Antônio Carlos, diga-se de passagem outro grande homem, peculiar à nossa fronteira. Bom administrador, companheiro e dono de uma honestidade inabalável. No entanto, não era um ser político, daí sua frustração maior. Se não fosse sua espiritualidade e controle emocional, Antônio não teria suportado tantas derrotas, não em sua vida pessoal, pois sempre foi bem-sucedido. Nos negócios, era exemplar, além de ter uma família constituída e forte. Mas o desafio pela busca da conquista que ele se propôs na política nunca foi superado, e essa situação, por menor que seja, incomoda, machuca e muitas vezes nos aniquila. É nesses momentos que temos de ser fortes, e ele permaneceu sempre espiritualmente forte. Trabalhei muito naquela campanha, noite e dia viraram uma coisa só. Sem recurso financeiro, primei pela criatividade e experiência adquirida ao longo dos anos que trabalhei em campanhas, mas qualquer estrategista sabe que se pode derrotar a máquina, porém é necessário um candidato com o dom da política: do palanque e do bom discurso. Falar a verdade sempre nem sempre traz vantagem, pode render um castigo diante das mentiras do oponente. Com uma equipe valente, conseguimos diminuir a vantagem, mas não foi o suficiente. Antônio Carlos perdeu a eleição de 2004 por míseros 400 votos. Contrariando os boatos de que ficaram dívidas da campanha, antes de eu partir de Jaguarão, pagamos todas as despesas. Dei meu último abraço àqueles que estiveram ao meu lado durante os vinte dias. Até hoje me pergunto: se tivesse chegado um mês antes, poderia reverter a eleição? Acredito que conseguiria, mas o destino assim não desejou.
Depois de tudo pronto, liguei para o Manfroi, que ordenou que eu ficasse em Pelotas. Bernardo de Souza, candidato a prefeito da coligação PPS, PTB, PP, tinha sido derrotado, no primeiro turno, com mais de dez mil votos, uma desvantagem que muitos achavam difícil de reverter. Marrone havia feito 68.669, percentual de 35,97% contra 57.487, percentual de 30,11%. O resultado era o retrato do clima que estava definitivamente instaurado na coordenação da campanha, que tinha a vitória como certa no primeiro turno e, por essa razão, cometeu vários erros. Deram o comando da campanha a pessoas sem nenhuma experiência, apenas por laços familiares. A coordenação era totalmente amadora, constatei logo na chegada, quando, antes da reunião que aconteceria à noite, percorri toda a cidade. Para minha surpresa, parecia existir apenas um partido. O PT estava em todas as esquinas, com suas bandeiras vermelhas, empunhadas por inúmeros cargos de confiança da administração. Transformavam as avenidas em um verdadeiro mar vermelho, enquanto a campanha do candidato Bernardo se resumia a meia dúzia de aprendizes de militantes pagos, cabos eleitorais, que arrastavam as bandeiras alaranjadas do PPS.
No início da noite, compareci à reunião na qual estavam os presidentes dos partidos da coligação. A reunião varou a madrugada. Mário Berned era o assunto principal, muitos haviam errado no primeiro turno, mas alguém tinha que ser Cristo, de preferência alguém que não fosse de Pelotas, tampouco esposa ou parente de algum político influente. Mário, que havia participado da inteligência da campanha no primeiro turno, foi o sorteado à condenação sumária e optou por deixar Pelotas naquele dia sob o refúgio da calada da noite, temendo insultos, em virtude de tamanho desafeto que tinha criado com as lideranças locais. O clima de desespero era nítido entre as lideranças, além do espírito de derrota. A campanha estava sem coordenador. Eu chegava como conhecedor de ambos os lados, mas tinha que ter muita cautela, afinal havia presenciado a fuga e condenação do último que posava de salvador. Mário foi condenado muito mais por ser um estranho no ninho. Assumiu sozinho os erros cometidos por muitos. Eu nunca esqueci que, como o “cristo” Mário, eu também não era de Pelotas. A meu favor, diferentemente dos demais, estava o meu recente passado, quando havia adquirido uma consagrada vitória com Zambiasi, em plena Pelotas, cidade conhecida como reduto petista. Na campanha para o Senado, havia dois candidatos do PT, Emília Fernandes e Paulo Paim, e consegui a façanha de obter mais votos do que os dois. Dessa forma, todos sabiam que eu conhecia o PT e seu candidato Fernando Marrone, com o qual nunca tive problemas, pelo contrário, aprendi a gostar de seu estilo, e certamente a recíproca era verdadeira. Sempre que encontrava o prefeito de Pelotas recebia um tratamento dos melhores, tanto que o PTB esteve muito perto de fechar a coligação. Lembro que estive no gabinete em Pelotas, dei a receita para o Marrone e avisei na época qual era a única maneira de ganhar a eleição com tranqüilidade. Tudo era muito simples: grande parte da executiva do PTB queria dinheiro para a campanha, muitos seriam candidatos, bastaria uma distribuição de dinheiro aos petebistas e Marrone teria o apoio incondicional da executiva. Naquela reunião em que fiz a proposta a Marrone, Augustinho Martins estava junto na sala. E de pronto percebi um excesso de confiança no semblante do prefeito de Pelotas. Escutou com atenção, mas sua confiança não permitiu ver que minha sugestão estava totalmente correta. Marrone quis pagar para ver, ou melhor, não quis pagar. Marrone ficou de me ligar posteriormente para combinar o acordo, mas nunca ligou, e eu, que já tinha experiência suficiente em acordos políticos, também nunca mais falei com Marrone. Seu silêncio era a resposta e, por essa razão, decretou ser impossível qualquer forma de coligação com o PTB.
Logo depois, voltei a Porto Alegre, e acabamos fechando o apoio com Bernardo, que na verdade nunca foi a preferência do PTB. Firmamos a coligação, com a exigência de seis secretarias e mais ou menos cinqüenta cargos de confiança. Naquela tarde reafirmei que só iria para Pelotas no segundo turno, e se necessário fosse. Nunca me senti à vontade ficando contra o Marrone, mas o segundo turno chegou e, junto, o susto: a coligação estava perdendo as eleições. Percebi a gravidade na reunião com os presidentes. Logo que cheguei a Pelotas, quando pude me dirigir aos presentes, entoei um discurso conciliador, moderado, porém fui enérgico quando perguntado o que deveria ser feito para ganhar as eleições. De pronto respondi, com a mão em cima do ombro do amigo Fabrício Tavares, que estava ao meu lado: “Façam tudo ao contrário do que fizeram até agora.” Logo percebi que havia colocado uma bomba sobre a mesa, mas essa era a única maneira de recuperar o tempo perdido. Antes da reunião, havia estado no comitê e fique apavorado com a lambança que os coordenadores tinham feito. Ninguém se entendia, meia dúzia de militantes arrastando bandeiras pelas avenidas, carros de som improvisados e, o pior, seis ou sete entendidos tomando uísque, na sala onde deveria ter um mapa da cidade, com a programação semanal, da campanha. Todos sabem, campanha é igual em tudo que é lugar: se não é a organização tem que ser, mas esta passava longe do comitê. Motoristas de políticos influentes se intitulavam marqueteiros de primeira linha, e o pior é que mal sabiam dirigir. Após um longo discurso, quase ofensivo, recebi para minha surpresa o apoio geral dos presidentes. O primeiro foi o presidente do Partido Verde e logo vieram os apoios do PP e do PPS. Naquela noite começou a virada da eleição.
No dia seguinte, logo pela manhã, montamos o projeto do segundo turno. Eu e o Fabrício nos debruçamos no computador e começamos a traçar as metas que incluíam comícios e visitas aos bairros diariamente. Pelotas não via Bernardo nas vilas e nos eventos, nem mesmo aos debates Bernardo ia, estava fácil demais para o adversário. Depois que montamos o projeto, fomos para a reunião onde estavam às lideranças políticas da campanha, que havia se espedaçado no primeiro turno. Entre as pessoas na reunião, estava o deputado Érico Ribeiro, Fetter Júnior, que concorria a vice, os presidentes dos partidos da coligação e também dos partidos que passariam a apoiar Bernardo no segundo turno. Todos receberam cópias do projeto. Depois que leram, levantei-me e fiz a pergunta crucial: seria seguido o projeto ou não? Todos concordaram, e fiquei um pouco surpreso com a aceitação fácil da nova forma de campanha. Depois entendi que não tinham outra saída, a proposta ia ao encontro daqueles que, como eu, queria a vitória. Muitos falavam que havia uma estratégia por parte do deputado Érico Ribeiro para desestabilizar a campanha. É fato que, se a coligação não ganhasse, Fetter Junior, seu maior concorrente em Pelotas, já que os dois eram do PP, estaria liquidado. Fetter tinha naquela campanha seu último suspiro político, pois havia perdido a eleição passada, quando concorreu a deputado federal. Coincidência ou não, naquela manhã, Fetter foi o primeiro a apoiar o projeto, que excluía a esposa de Érico da condenação. As queixas contra suas atitudes eram muitas, principalmente pelas rodadas de trago, enquanto a campanha ia de mal a pior. Por último, perguntei ao candidato a prefeito se ele seria obediente ao novo programa. A resposta foi imediata: sou soldado de vocês. Dessa forma firmamos o primeiro compromisso rumo à vitória.
Por fim, todos concordaram com as regras impostas por mim e por Fabrício Tavares. Não existia alternativa, caso contrário perderíamos a eleição. Foi a campanha mais eletrizante em que trabalhei. A nossa estratégia tinha duas torcidas, os contrários e os favoráveis. Começamos com apenas vinte militantes, uma semana depois já eram quinhentos. Naquela mesma semana liguei para Santa Maria e falei com um antigo amigo, Rogério, dono de uma empresa de caminhões de som. Negociei com ele e mandei que enviasse para Pelotas o maior trio elétrico que tivesse. Eu já tinha trabalhado com o Rogério em 1996, na campanha de Porto Alegre, por essa razão sabia da qualidade de seu trabalho. Foi uma luta para convencer a coordenação da campanha a contratar o trio. Por fim, só me restou uma alternativa: fazer um trato com o todo poderoso Érico Ribeiro. Ele estava à frente do financeiro da campanha, e eu lhe disse que o caminhão viria. Em caso de derrota, eu assumiria a dívida e pagaria o meu amigo. Dessa mesma forma, acabei contratando mais dois, dessa vez de um empresário do som da cidade de Rio Grande, com quem acabei fazendo uma bela amizade: seu Getúlio e seus filhos, a equipe “ninja” do som.
Foi nessa campanha que trabalhei ao lado de grandes figuras, uma delas o meu fiel amigo Luciano, “Cobra”, como era conhecido. Figura rara, “noite é pra beber”, dizia ele, e bebia mesmo, porém era um trator para o trabalho. Por várias vezes, íamos dormir às quatro ou cinco horas da manhã e às oito já estávamos em pé. Passei toda a campanha ouvindo-o dizer que o PT estava oferecendo cinqüenta mil para sairmos de Pelotas, em outras palavras, abandonar a campanha. Ele estava certo, havia de fato uma oferta, mas nunca disse a ele que acreditava, fiz com que fosse até o fim ao meu lado.
Nessa campanha também conheci e estabeleci uma bela amizade com o Presidente do Partido Verde, “PC”, como era conhecido, pra falar a verdade, o baixinho mais bravo que já vi. Não sei ao certo quem era mais atacado, ele ou a mulher, Daniela, uma fera, porém, dois grandes militantes. Foram fundamentais na campanha. Aos poucos, nosso seleto time foi adquirindo respeito. Reforcei a equipe com algumas pessoas de Jaguarão e também com um amigo pelotense, Tedesco, o intelectual da turma. Estava sempre com um projeto na ponta da língua, trabalhou muito e a campanha agradeceu. Não demorou muito para todos os que trabalhavam na campanha, antes de qualquer decisão, perguntassem para mim qual era minha opinião. Logo vi que as reuniões não começavam antes da minha chegada – e olha que não era fácil lidar com a disputa de vaidade entre o deputado Érico, Fetter, deputada Leila e a então futura primeira dama Ilda de Souza, o que é natural quando se trata de política. Minha vantagem era que eu, ao contrário dos demais, não estava subordinado a nenhum político da região. Meu cargo era no Senado, por essa razão, várias vezes discordei e enfrentei o coordenador financeiro Érico Ribeiro, que por fim acabou fazendo reuniões em seu sítio, com os capangas armados. Diante de todas essas adversidades, a mais complicada era a financeira. Foi quando recebi um telefonema de Porto Alegre do ex-Ministro Elizeu Padilha, que me informou de que tinha notícias da campanha e era sabedor de que eu e a minha equipe éramos responsáveis pela virada que as pesquisa apontavam. Sendo assim, disse-me ainda que estaria mandando recursos e o deputado Marco Alba para auxiliar e dar estrutura à campanha. Afirmou ainda que, mesmo mandando um deputado, eu continuaria liderando a equipe, fato que se confirmou com a chegada do Marco Alba, deputado em seu primeiro mandato pelo PMDB, homem de confiança do Eliseu Padilha. Marco acabou dizendo que seu general, como se referia ao ministro, decidiu ajudar porque estava comprometido a derrubar o PT nas três maiores cidades gaúchas. Ele tinha uma equipe em Caxias e outra em POA, e estava faltando Pelotas. Naquela noite fiz uma reunião com minha equipe e apresentei a todos o novo integrante. Marco ficou muito à vontade e acabou sendo fundamental para a campanha. Ficou ao nosso lado até o último dia, mesmo na sexta-feira que antecedia o dia da votação. Tendo sido divulgada uma pesquisa da CEPA que dava uma vantagem de cinco pontos percentuais para o candidato Marrone, Marco ficou, todos da equipe ficaram, ao contrário do PP, que debandou geral. Lembro que, naquela sexta-feira, tentei encontrar o deputado Érico e sua corja, mas não achei ninguém. Depois fiquei sabendo que estavam escondidos no sítio que ficava na zona rural de Pelotas.
O sábado passou como um furacão. Na madrugada, ordenei à minha equipe que espalhasse material de Bernardo pelos bairros. Fizemos uma limpeza no almoxarifado, e o Tedesco saiu com Carlos Marques jogando panfletos durante toda a madrugada. Lembro-me de no sábado ter encontrado Paula Mascarenhas, mulher de extrema confiança, que não tinha tanta experiência em campanha, mas desempenhou um papel importante. Ela conseguia controlar o muito bem o casal Souza, e isso era fundamental. Perguntei a Paula como estava Bernardo, ela nem precisou responder, sua cara de derrota falava tudo. Foi quando afirmei que iríamos ganhar, saí rápido, pois o tempo era ouro, e comecei a bolar a estratégia para o Domingo, dia da eleição. Bernardo sempre teve o carinho da maioria dos eleitores, porém as próprias pesquisas mostravam que o eleitor não acreditava na sua vitória. Por essa razão, pedi às secretárias do comitê que juntassem o máximo de carros para se apresentarem domingo na primeira hora da manhã, era a última estratégia. E assim foi feito. Coloquei carros andando com bandeiras e dando buzinadas durante todo o domingo, até as cinco horas, quando se encerrava a votação. Eu e toda equipe ficamos juntos com o deputado Marco Alba num posto na saída norte de Pelotas. Como quase ninguém apostava na vitória, ordenei que todos os caminhões de som ficassem junto conosco. Afinal, em caso de derrota quem pagaria seria eu, nada mais justo. Na verdade, foi uma grande sacanagem, perto das quatro horas, a pesquisa de boca de urna já dava a vitória para Bernardo de Souza. Meu celular tocava desesperadamente, todos queriam levar os caminhões de som para a avenida, onde já havia um mar de bandeiras laranjas. A brigada militar estimou em mais de cento e vinte mil pessoas no local. Mesmo assim, esperei ate as cinco horas. No fechamento das urnas, eu sabia que o prefeito e o vice eleitos só poderiam sair do comitê em cima do caminhão, e assim fizemos: arrancamos os caminhões em direção ao comitê. Eu e todos, de alma lavada, a música da Ivete Sangalo, “Poeira” que havia animado os bandeiraços na esquina do posto do Guga, junto com a mais nova invenção da campanha, o arrastão, estratégia que copiei do carnaval Baiano, em uma das vezes que estive em Salvador. Essa estratégia aniquilou a carga petista. Meu maior orgulho foi ver que, na última semana, Salvador, coordenador do PT, acabou aderindo à estratégia e também fez um arrastão pela avenida Bento Gonçalves. Eu sempre gostei de copiar as boas idéias. Acredito que o que é bom deve ser copiado. Por fim encostamos os gigantes caminhões ao lado do comitê. Bernardo e Fetter subiram um em cada caminhão, a eleição estava ganha, mas ainda havia estremecimentos entre os dois. A festa foi triunfante, o fato das pesquisas darem vantagem para o Marrone fez com que a vitória tivesse muito mais apelo. Varamos a noite comemorando, cheguei ao hotel às cinco e meia da madrugada, dormi um pouco – acredito que até as nove horas da manhã – e saí em direção ao comitê. Queria ver a cara dos que não acreditavam, e eles estavam lá, com sorrisos estampados na cara. Naquela hora, confesso que tive uma ponta de arrependimento de ter ganhado a campanha. Nossa equipe ficou com o trabalho, eles ficaram com os méritos.
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